Acordo de US$ 55 bilhões levanta suspeitas de influência política, conflito de interesses com Jared Kushner e riscos à independência da empresa.
Dois senadores dos Estados Unidos, Richard Blumenthal e Elizabeth Warren, enviaram uma carta ao governo americano pedindo uma investigação rigorosa sobre a compra da Electronic Arts (EA) por um grupo de investidores privados ligados à Arábia Saudita. O negócio, avaliado em US$ 55 bilhões, é um dos maiores da história do setor e envolve o Fundo Soberano Saudita (PIF), o fundo americano Silver Lake e a Affinity Partners, empresa fundada por Jared Kushner, genro de Donald Trump.
O acordo prevê a compra de 100% das ações da EA, com pagamento de US$ 210 por ação, um valor bem acima do preço de mercado da companhia. A transação transformará a EA em uma empresa privada, mantendo Andrew Wilson como CEO e a sede em Redwood City, na Califórnia. Oficialmente, o objetivo é “acelerar inovação e crescimento”, mas o envolvimento saudita acendeu um alerta em Washington.
Na carta enviada ao secretário do Tesouro, Scott Bessent, os senadores afirmam que o investimento “vai muito além de interesses comerciais” e tem como propósito “influenciar a opinião pública global” por meio da cultura e do entretenimento. Eles apontam que o valor pago, mais de US$ 10 bilhões acima da avaliação de mercado, não faz sentido financeiro e sugere motivações políticas.
O texto também questiona o papel do Jared Kushner no consórcio, já que sua empresa foi criada em 2021 e recebeu US$ 2 bilhões do próprio fundo saudita, contrariando recomendações internas. Para os senadores, Kushner estaria sendo usado para facilitar a aprovação regulatória do negócio em uma eventual nova administração Trump. “Os investidores parecem apostar um bilhão de dólares que Kushner conseguirá garantir a aprovação. Afinal, que regulador diria não ao genro do presidente?”, diz o documento.
Outro ponto de preocupação é o impacto cultural. A carta alerta que tornar a EA privada e controlada por capital estatal saudita reduziria a transparência e permitiria ao regime influenciar narrativas em jogos, censurar conteúdos ou moldar representações da cultura americana. “Isso daria ao governo saudita uma ferramenta eficaz para projetar poder em escala global”, afirmam os parlamentares.
Em uma segunda carta, desta vez ao CEO Andrew Wilson, os senadores exigem explicações diretas sobre como a EA pretende proteger dados de jogadores americanos, evitar uso político de IA e garantir independência editorial sob controle estrangeiro. Também questionam se algum executivo da EA terá de se registrar sob a Lei de Agentes Estrangeiros (FARA).
Além das preocupações éticas e geopolíticas, o documento menciona possíveis ganhos pessoais para Wilson, que já recebeu mais de US$ 280 milhões em sua gestão, sugerindo que a venda pode beneficiá-lo muito mais do que os acionistas ou a comunidade de jogadores.
O envolvimento do PIF, um fundo diretamente controlado pelo príncipe Mohammed bin Salman, acusado de ordenar o assassinato do jornalista Jamal Khashoggi e de reprimir mulheres e minorias, também tem sido amplamente criticado. O fundo já possui participações em empresas como Take-Two e SNK, e investe pesadamente para se firmar como potência global no entretenimento e nos esportes, em meio a denúncias de sportswashing.
A EA, por sua vez, reafirmou que o conselho aprovou o acordo e que ele deve ser concluído até junho de 2026. Em comunicado, Andrew Wilson celebrou a parceria e disse que a empresa está “mais energizada do que nunca para inspirar as próximas gerações”.
Mas entre políticos e parte da indústria, o sentimento é de cautela. Uma das maiores desenvolvedoras do mundo pode estar prestes a trocar os holofotes de Wall Street pela sombra de um regime autoritário, e o preço dessa transição pode ir muito além dos US$ 55 bilhões.