Notícias

A Bungie não copiou Star Wars. Mas também não precisava se apoiar tanto assim

Compartilhar:

Quando a nova DLC de Destiny 2 chamada Insurgentes foi anunciada com uma estética de velho oeste espacial, a comparação com Star Wars foi imediata, já que Bungie fechou uma parceria oficial com a Lucasfilm, colocou skins licenciadas no jogo e apostou em uma ambientação que, em um primeiro olhar, lembra bastante Tatooine. Mas é justamente aí que começa o problema, e o motivo de eu estar escrevendo esse texto.
Muita gente passou a repetir que, ao usar essa estética de “Cowboy Espacial”, não tinha como a Bungie fugir de Star Wars, que era o único caminho. Como se esse tipo de cenário, com desertos, naves, reinos distantes, heróis profetizados e tecnologia sucateada, tivesse nascido com George Lucas. Mas a verdade é que isso vem de antes. Bem antes. O que a Bungie está chamando de original é, no máximo, comercial. Porque criatividade, nesse caso, teria sido olhar além do óbvio.

Planeta Tatooine em Star Wars

A estética do velho oeste espacial não foi criada por Star Wars. Ela foi refinada lá, é verdade. Mas as raízes vêm de décadas anteriores, de autores e obras que moldaram a ficção científica moderna, saindo de Flash Gordon, passando por Foundation e chegando em Duna. Essas três obras tem visões diferentes de um futuro onde o poder, a fé e a decadência da civilização se misturam em um mundo que parece estar sempre prestes a ruir.
Duna, por exemplo, não é só uma história de ficção. É uma tese sobre política, ecologia e messianismo. Publicado em 1965 por Frank Herbert, o livro se passa em Arrakis, um planeta desértico onde tudo gira em torno de um recurso chamado especiaria, e onde sobreviver já é uma forma de domínio. Foi ali que nasceram os ornitópteros, veículos voadores com asas articuladas, inspirados em insetos.
Duna também trouxe pra ficção científica várias ideias que Star Wars só viria adaptar anos depois. O herói messiânico já estava lá. As disputas entre casas poderosas, a ordem mística formada por mulheres, o império em decadência. Paul Atreides chegou antes de Luke ou Anakin Skywalker. As Bene Gesserit existiam muito antes de qualquer Jedi. E Tatooine é basicamente uma Arrakis com outro nome. Denis Villeneuve deixou isso escancarado quando recriou o planeta no cinema em 2021 com uma fidelidade absurda.

Planeta Arrakis em Duna

Agora vamos falar do Flash Gordon que veio antes de tudo isso, lá nos 1930. A obra é uma Space Opera Pulp que apostava forte nas cores vibrantes, nos heróis exagerados e em foguetes que mais pareciam pranchas metálicas flutuantes (alô Surfista Prateado). Foi ali que os Rocket Cycles apareceram pela primeira vez. Veículos voadores individuais, usados pra escapar, atacar, e atravessar grandes distancias. Tudo exagerado, tudo estilizado. Mas o conceito estava lá, antes de Star Wars.
Foi essa estética, aliás, que fez o George Lucas tentar comprar os direitos de Flash Gordon. Quando não conseguiu, ele então decidiu criar o seu próprio universo e criou Star Wars, que é basicamente um remix de tudo que veio antes. Star Wars tem os visuais exagerados de Flash Gordon, os temas políticos e religiosos de Duna e a estrutura imperial do Foundation. George Lucas não inventou do zero, ele costurou tudo com maestria. E desse caldeirão saíram as Speeder Bikes, que apareceram pela primeira vez no filme O Retorno de Jedi, em 1983.

Página original de quadrinhos de Flash Gordon

Foundation, do americano Isaac Asimov

Essas motos voadoras, que foram criadas pelo Nilo Rodis-Jamero e por Ralph McQuarrie, levaram o conceito ao cinema com uma nova cara, fazendo a perseguição em Endor virar referência de ação e as Speeder Bikes se tornarem o novo ícone da mobilidade sci-fi na época.
Mas mesmo esse tipo de império que Star Wars mostra, decadente e à beira do colapso, já existia em Foundation, do americano Isaac Asimov. A série de livros, iniciada em 1951, é baseada na ideia de prever o futuro com matemática. A queda do Império Galáctico retratada nos livros, não é tratada como uma guerra épica, mas como um ciclo histórico inevitável. Ali não temos espadas de luz, o combate é travado com racionalidade e superstição. E ainda assim, o universo de Destiny parece beber mais desse copo do que do sabre de luz.

Planeta Vênus em Destiny

Porque se Destiny tem algo, é a ideia de passado, de ruína, de memória enterrada em tecnologia esquecida. Os Guardiões são os novos cavaleiros errantes, vagam por planetas que já foram algo maior, guiados por lendas, por visões, por uma luz que ninguém entende de verdade. Vênus é uma fundação caída, as ruinas da Terra são como os restos de um império, e a Testemunha é poder absoluto no qual a luz precisa aniquilar.
A nova DLC de Destiny vai adotar esse velho oeste espacial, mas com Star Wars estampado na cara. Com parceria oficial, armaduras licenciadas e tudo mais. Só que diferente do que dizem, não era a única escolha. Dizer que só dava pra fazer essa estética inspirada apenas em Star Wars é desonesto. É esquecer de Duna, é esquecer de Foundation e esquecer de Flash Gordon, todas que inspiraram Star Wars.
Outras obras também beberam dessas fontes. O Cowboy Bebop, por exemplo, levou os caçadores de recompensa pro espaço com nave própria, jazz triste e uma tripulação “quebrada” tentando sobreviver. Firefly fez parecido, mas com uma cara mais suja, mais faroeste mesmo, com pistoleiros em planetas de barro e um império que controla tudo de longe.
E falando em games, temos o Mass Effect, que junta política galáctica, ruínas de civilizações antigas e profecias sobre o fim do mundo. Ou até o Warhammer 40K, que pega tudo isso e transforma em um universo onde até as naves são como catedrais voadoras. O gênero cresceu, mudou, mas manteve a base, que não vem de Star Wars, mas que bebeu da mesma fonte.
É por isso que eu sou tão apaixonado por Destiny. Porque ele pega tudo isso, Duna, Foundation, Flash Gordon, Star Wars, e transforma em videogame. Não só nas referências visuais, mas na maneira como o mundo é construído. Destiny me dá a sensação de estar pequeno diante de algo muito antigo, muito maior. E a Bungie nunca escondeu essas influências. Lá atrás, em entrevistas da era Destiny 1, alguns desenvolvedores citaram Star Wars como referência de tom e ambientação. Mas Destiny nunca copiou, a franquia pegou tudo isso, misturou com sua própria mitologia, e criou um universo onde tudo isso faz sentido de novo, do mesmo que o George Lucas fez quando decidiu criar Star Wars.

Collab entre Destiny 2 e Star Wars

E talvez seja esse o ponto. A Bungie não escolheu Star Wars porque era a única saída. Escolheu porque vende. Porque colocar uma skin do Darth Vader e um fantasma que imita um Droid Imperial é combo perfeito de apelo nostálgico e monetização. Mas isso não é criatividade. É branding. E Destiny, que já bebeu de tantas fontes ricas, agora parece preso ao que dá mais retorno, mesmo que isso venha com um selo oficial da Lucasfilm.
No fim, quando você usa um pardal em Destiny, não está só usando um veículo. Está puxando quase um século de referências, de antes de Star Wars. Mas a diferença entre referência e dependência é sutil. E talvez esteja na hora de lembrar que a ficção científica é feita de visões. Não de parcerias comerciais.
Destiny 2 está disponível para PlayStation 4, PlayStation 5, Xbox One, Xbox Series X|S e PC.

Idealizador e Produtor de Conteúdo
Olá, eu sou o Johann, mas pode me chamar de Heroutz. Sou um criador de histórias apaixonado por games, especialmente Pokémon, Zelda e RPGs de turno. Essa paixão pelos games é uma herança de família, que recebi do meu pai e hoje compartilho com a minha filha. Acredito que os jogos contam as melhores histórias da nossa geração e, quando não estou pensando em alguma teoria, provavelmente estou em Destiny 2, questionando as decisões da Bungie.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *