
A Bungie está vivendo talvez a pior fase da sua história recente. A mesma empresa que criou Halo, reinventou os looters com Destiny e foi comprada pela Sony por 3,6 bilhões de dólares agora parece atolada em crise, e o que mais chama atenção é que grande parte disso foi cavado por ela mesma. O novo projeto da casa, Marathon, deveria marcar um novo começo. Mas o que se vê hoje é uma sequência de escândalos de plágio, denúncias de ambiente tóxico, decisões de liderança desastrosas e um jogo que, até agora, não empolgou quase ninguém.
A denúncia mais recente veio da artista conhecida como ANTIREAL, também conhecida como N², que acusou a Bungie de usar artes criadas por ela em 2017 sem autorização. O caso começou com comparações entre seus pôsteres antigos e o material promocional do Marathon, mas logo foi além. A mesma estética aparece dentro do próprio jogo, com fontes, símbolos e composições visuais inteiras. Um dos exemplos mais claros mostra a palavra ALEPH com o mesmo estilo gráfico, num design quase idêntico.

Segundo a artista, não é a primeira vez que isso acontece. Ela diz que não tem estrutura pra processar a Bungie, mas está cansada de ver grandes estúdios parasitando o trabalho de criadores independentes sem pagar nem dar crédito. E o que parecia uma denúncia isolada se confirmou como prática recorrente. A própria Bungie admitiu o erro durante a transmissão oficial do evento PlayMA, quando o diretor de arte Joseph Cross reconheceu que um artista da equipe pegou elementos da arte da ANTIREAL e os inseriu em uma planilha de decalques ainda em 2020. Esses elementos acabaram sendo usados no build da alpha enviada para testes. Segundo Cross, o material está sendo auditado e será totalmente substituído. Mas o estrago já estava feito.

E esse não foi o único caso. Em 2023, durante a Temporada das Profundezas, uma das cutscenes mais importantes de Destiny 2 revelou a origem da Testemunha com uma imagem que lembrava demais a obra The Veil of Darkness, criada pelo artista Julian Faylona. A Bungie reconheceu que a arte foi usada por um fornecedor externo sem permissão, pediu desculpas ao artista e ofereceu compensação.

Antes disso, a empresa foi processada pelo Matthew Kelsey Martineau, que alega que a campanha original do Destiny 2, a Guerra Vermelha, e a expansão a Maldição de Osíris copiaram trechos de uma obra publicada por ele em um blog anos antes. O problema é que a Bungie removeu a campanha do jogo e tentou apresentar vídeos de fãs e páginas da destinywiki como prova de que não houve plágio. A juíza rejeitou o material, e agora a empresa precisa encontrar outra forma de se defender.
Esses três episódios aconteceram em menos de cinco anos. Todos com o mesmo padrão, uso indevido de arte, terceirização mal supervisionada e resposta sempre atrasada, quando a pressão pública já estourou. Não é falta de aviso. É falta de cuidado. Falta de respeito com a comunidade criativa. E, acima de tudo, falta de liderança.
A palavra liderança, inclusive, virou sinônimo de problema dentro da Bungie. Nos bastidores, o clima é descrito como tóxico e sufocante. Um ex-desenvolvedor conhecido como Spirited, que trabalhou como engenheiro sênior entre 2022 e 2024, foi direto em um post que depois apagou na rede social Bluesky: “Trabalhar com a liderança do Marathon foi extremamente tóxico e humilhante.”
Segundo ele durante as ondas de demissões de 2023, a cultura dentro da empresa mistura microgerenciamento constante com uma hierarquia que não permite questionamentos. Tudo é imposto de cima pra baixo. Toda tentativa de autonomia vira conflito. E cada nova demissão, como as que aconteceram em massa desde outubro de 2023, só piora a situação.

As críticas se estendem ao CEO Pete Parsons, apontado como alguém que trata cortes como manobras táticas. O Spirited diz que a própria equipe perguntou a ele, depois da leva de demissões, se havia risco de mais cortes, e ouviu que sim, era uma alavanca que ele puxaria de novo. Liana Ruppert, ex-gerente de comunidade, também fez críticas públicas após ser demitida, fortalecendo a ideia de que os problemas não estão só nos jogos, mas nas pessoas que comandam a empresa.
Enquanto isso, Marathon tenta sobreviver no meio do caos. Mas mesmo antes do lançamento, o jogo já acumula frustrações. A alpha jogável foi recebida com desânimo por boa parte da comunidade. O próprio diretor Joe Ziegler disse que o jogo não é pra quem procura experiências PvE, e isso depois de anos de alertas internos pedindo justamente o contrário. Desenvolvedores que trabalharam no projeto afirmam que sugeriram incluir modos PvE desde o início, mas foram ignorados. Toda a estrutura do Marathon foi construída pra ser PvP. E hoje, nem isso empolga.
O marketing planejado pra junho, com trailer novo, pré-venda e beta aberto, foi cancelado. A Bungie vai tentar uma nova abordagem, com pequenos playtests públicos. Não há datas definidas. E mesmo assim, segundo o jornalista Paul Tassi da Forbes, a meta interna da empresa é absurda. Marathon só será considerado um sucesso se estiver entre os cinco jogos mais vendidos do ano nos rankings da Circana, ex-NPD. Isso pra um jogo pago, de um gênero de nicho, com recepção morna e vindo de uma empresa queimada com o próprio público. A conta não fecha.
E falando no Paul Tassi, ele disse o que muita gente da comunidade já vinha pensando, mas agora sem rodeios. Que o conceito inteiro do Marathon já nasceu errado. Segundo ele, a ideia do jogo veio de dentro da própria Bungie, de um grupo interno que começou a jogar Tarkov e achou que seria uma boa transformar isso no grande projeto fora de Destiny. Um desses “good old boys” da liderança empurrou a ideia como se fosse o nascimento de uma nova IP forte para o estúdio, agora sob o guarda-chuva da Sony. Mas desde o início, a proposta estava desequilibrada. Tentava ser casual o bastante pra atrair um público novo e, ao mesmo tempo, hardcore o suficiente pra competir com jogos como Tarkov. Acabou não sendo nenhum dos dois.

E o jogo realmente não ajuda. Quem jogou a alpha percebeu isso rápido. Visual genérico, cenários sem alma, inimigos controlados por IA que parecem saídos do Roblox, áudio mal calibrado, progressão travada, história fragmentada e sem apelo. Nada passa a sensação de um projeto feito com paixão. Nada parece digno do selo Bungie. Em um review que eu escrevi aqui para a Bonfire quando fui convidado pela própria Bungie pra testar o jogo, eu fui sincero. Disse que o Marathon tem potencial, mas não tem personalidade, nem alma, nem ambição. Tudo antes das polêmicas atuais.
O Marathon até funciona, tem momentos divertidos, mas parece feito às pressas, sem carinho. Mesmo tendo jogado a Alpha e recebido uma caixa especial e personalizada da Bungie, não é um jogo que eu compraria no lançamento. E se fosse gratuito, provavelmente também não gastaria com passe de temporada.
A Bungie parece ter perdido o rumo. Os erros não são pontuais, são estruturais. O estúdio que já foi referência em excelência técnica e design agora tropeça em suas próprias escolhas, terceiriza demais, ouve de menos e trata crise como rotina. Marathon deveria ser um recomeço. Mas do jeito que está, pode acabar sendo só mais um capítulo na longa lista de problemas que a Bungie criou e continua ignorando.
E eu como um grande fã da empresa, fico me perguntando até quando a Sony vai conviver com uma empresa tão problematica sob as suas asas.